quarta-feira, 27 de maio de 2009

Por Anette Maia "Politizando o 14º salário para docentes : prêmio ou problema?"

Tenho ouvido bastante, nos últimos dias, que o 14º salário a ser concedido para profissionais de escola pública do Distrito Federal que tiveram seus indicadores de qualidade melhorados está custando a chegar. Seja lá qual for o motivo da demora, fico me indagando se premiar profissionais de educação por terem se desempenhado melhor é uma iniciativa impassível de questionamentos.
Se nós docentes (em particular) lutamos há décadas por “uma escola de qualidade, democrática, gratuita e para todos”, qual sentido faz em premiar somente profissionais de escolas que tiveram seus índices majorados? Entendo que essa medida tende a beneficiar escolas onde o corpo docente esteja consolidado e onde todos se movam no ideário de que fazer melhor vale à pena, porque, entre outras coisas, se pode auferir ganhos adicionais. Como ficariam as escolas mais distantes onde o professorado se fixa menos, onde a rotatividade dele é maior e o projeto pedagógico mais sacrificado em razão (também) desse movimento migratório? O que dizer de escolas que não possuem parcerias consistentes para dar mais peso às realizações pedagógicas? E como fica a relação professor(a)/aluno(a) numa situação em que sabidamente a atividade docente não se move somente por ideais, mas também pela expectativa de premiações anuais?
É importante pensar, por outro lado, que esse tipo de premiação acaba por nivelar a categoria em dois patamares: o dos merecedores do 14º salário e o dos não- merecedores, ainda que tenham feito seu trabalho com distintas limitações.
Não haveria um outro jeito de valorizar o professorado? Indo mais adiante, se os índices no SIADE e no IDEB forem majorados, porque não reajustar o salário de todo(a)s profissionais da educação do Distrito Federal, inclusive os auxiliares? Assim, pelo menos, o reconhecimento seria coletivo e não faria de cada unidade escolar uma máquina onde a produção deve se superar a cada dia, gerando fazeres que remetem a uma fábrica e não a complexidade de uma educação que precisa lidar com o humano em suas diversidades mais amplas.
Faço esse debate tranqüila e sem esperar adesões imediatas ou futuras. Sei que a proletarização do magistério pode nos levar a pensar que o atingimento de metas a qualquer custo, inclusive o de nossa saúde, pode vir a ser a solução para contingentes inteiros de profissionais. Eu mesma já me vi fazendo contas caso a minha escola venha a ser contemplada com o prêmio. No entanto, resolvi pensar melhor, atentar-me mais para o viés político e ideológico dessa proposta e me exponho aqui, como contrária ao 14º salário por temer seus desdobramentos futuros no conjunto da categoria e num projeto de educação popular.
A escola gratuita, de qualidade, democrática e para todos, necessita de profissionais que sejam bem tratado(a)s igualmente. Premiar somente aquele(a)s onde as escolas foram melhor sucedidas em indicadores de qualidade , significa desprestigiar os demais , desconsiderando suas dificuldades para atingir patamares maiores que os já atingidos. Esse tipo de política não evoca paixões humanizadoras nas relações escolares, ao contrário, atrela a relação pedagógica a um prêmio que descaracteriza as bandeiras mais politizadoras que os movimentos sociais pela educação vêm empreendendo ao longo dos anos. E entendo que bandeiras avançadas, não podem ser rasgadas em nome do sucesso dessa ou daquela escola.
Fica aqui a reflexão e espero que ela possa servir para algum intento e caso não sirva, fica aqui registrado o meu posicionamento.


Anette Maia é professora da SEEDF e atualmente está Coordenadora Pedagógica em uma escola da Asa Norte.

2 comentários:

Jorge Ogum disse...

É isso aí. Esse negócio de 14º salário desconhece um fato fundamental: educação é uma construção coletiva. Esse 14º salário é uma forma de admitir que a escola é apenas uma local de instrução e não de educação no sentido mais amplo. O problema é que com o esgarçamento social da periferia das grandes cidades, o trabalho do professor é muito mais que isso. E não dá para quantificar educação, pode até quantificar instrução.

Unknown disse...

Além de tudo que já foi exposto no artigo da Anete, me preocupa também a concessão desse 14º salário. Quias os critérios que serão adotados para a escolha do professor que "merecerá" este benefício? Será pelo número de aprovação dos alunos? Aprovação é sinônimo de aprendizagem? Reprovação é sinônimo de não aprendizagem? O que se está "ensinando" aos alunos? Os currículos deverão ser unificados em função das avaliações gerais como SIADE, Prova Brasil, etc?
Enfim, são tantas variáveis...